sábado, 27 de novembro de 2010 | By: Cinthya Bretas

Babel entre nós dois – Mal entendidos da vida a dois.


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Ninguém sabe como nem quando, mas uma coisa é certa, a linguagem se desenvolveu a partir da necessidade de sobrevivência. Diante das ameaças de uma natureza inóspita e ameaçadora, o homem precisava de uma ferramenta que o ajudasse na comunicação entre os membros da horda primitiva: apontar direções, avisar sobre o perigo, e reencontrar água e caça. 
Primeiro de maneira simbólica depois de forma gutural, a linguagem talvez com alguns tropeços e enganos iniciais, serviu preciosamente durante algum tempo em sua forma primitiva até que a evolução da espécie que, gradativamente se sofistica e subjetiva, passa a produzir uma comunicação que se amplia do meramente tangível a valores intangíveis e metafóricos. E ai começa a torre de Babel nossa de cada dia.
As palavras com e além das pessoas que as emitiam, passa a tomar vida própria e se metamorfosear em tudo o que o receptor ouvinte passa a nela projetar.
De repente saímos do tempo da inocência porque, as palavras e suas mensagens já não dizem mais o que pretendemos dizer por que, do outro lado, existe alguém que não somos nós, e por conta disto pode interpretar o que dizemos ao seu bel prazer apoiado naquilo que sua vivência afetiva pessoal lhe murmura ao ouvido. 
Assim ninguém mais se entenderá, fomos definitivamente projetados para fora do Paraíso e jogados no mundo da linguagem subjetiva dos desejos, da angústia e do mal entendido.
Assim é no cotidiano do ser humano através dos tempos e assim é num espaço delicado da vida humana onde o entendimento necessita acontecer: a relação íntima.
Seja entre namorados, entre noivos, entre marido e mulher, entre amigos ou mesmo em família, as mensagens truncadas habitam e invadem nosso cotidiano gerando quase sempre ao final o sofrimento desnecessário.
Digo quase sempre porque existem aqueles que persistem, aqueles que sabem que o humano é errante e, diga-se de passagem aqui, antes que confundam, o errante referido é o que erra, o que comete erros.
Erra, se confunde, acha, pressupõe e... Interpreta como disse anteriormente, e repito para que fique bem claro, mas agora em outras palavras:
O Ser humano interpreta porque tem lá seu repertório de perguntas e respostas emocionais associado a um outro repertório de palavras aprendidas desde que inicia sua viagem particular de aprendizado da linguagem seja ela, diga-se de passagem, verbal ou corporal, por que esta também conta. E é a partir deste repertório, se não tiver oportunidade de aprender pela experiência novas maneiras de analisar o outro e seu mundo, que irá nortear o entendimento daquilo que lhe é emitido.
 Se os afetos aprendidos estiverem associados a algo que lhe seja comunicado, e este algo enviar a um território já antes transitado e do qual se tenha lembranças marcantes desagradáveis ou não, poder-se-á pressupor que por aí vem chumbo ou bala (doce) e os sentidos e o inconsciente, simplesmente recebem as palavras e as enviam automaticamente ao tradutor pessoal, que fará uma confusão danada para o seu melhor ou para o seu pior. Traduzindo de acordo com os seus desejos ou de acordo com os seus medos.
O outro, receptor da tradução, poderá perceber a tempo e desfazer o mal entendido ou então, sem perceber, levar a tradução a se desdobrar gerando problemas posteriores. Mas o mais difícil é quando o emissor ao perceber uma tradução equivocada, por covardia, por perversão ou interesse, decide se fazer de morto e permitir que o outro carregue esta alegria ou tristeza erroneamente interpretada. Ou, talvez até pior, quando a interpretação acontece automaticamente sem palavras! O outro é interpretado novamente de acordo com seu repertorio pessoal ou seu desejo e um grande mal-estar pode ser gerado deste equívoco. Principalmente se o receptor novamente se exime de sanar o engano. Exemplos práticos disso?
O casal diante da vitrine e vê um par de alianças e, o rapaz impressionado com o desenho inusitado, o comenta. A moça feliz de acordo com o seu desejo traduz o comentário como: “Eis um lindo par de alianças para nos casarmos! Oba!” Em momento algum se certificará, em momento algum perguntará, apenas tomará para si esta interpretação e sairá norteando todos os seus futuros passos baseados nesta suposição de que o casamento se aproxima.
Aí, numa comédia de erros todas as outras falas poderão seguidamente tomar o mesmo rumo interpretativo sob seu olhar e quando posteriormente descobrir, espera-se que a tempo, que foi apenas um comentário, o outro será reinterpretado de acordo com o nível de frustração que resultou do engano.
Mas vamos analisar. Quem enganou quem?  Foram apenas projeções? O rapaz comentando sabia o que comentava?Será que suas palavras naquele momento não encontravam gancho dentro dele em algum lugar? Refletiu em algum momento que o que disse podia ser entendido como um desejo? E se refletiu tomou providências?
A moça que não perguntou não ratificou no outro um desejo que era seu. A suposta intimidade do casal era tanta que ela o “adivinhou”? Ou se omitiu de perguntar por medo porque no fundo sabia que não era real? E se foi assim onde estava o real desta relação onde palavras não são ditas por medo? Como seria possível assim pensar em casamento?
Outro exemplo: marido chega à casa cansado, trabalhou muito, precisa de acolhimento. A esposa também e chega depois dele, lépida e fagueira, mas cansada. Modos diferentes de lidar com o cotidiano. Chega e deseja, precisa conversar, trocar. O esposo cansado e injuriado com algum problema do trabalho a ignora, ou trata de maneira desagradável. Ele não deseja trocar nada e sexo nem pensar. Mas ele também precisa de carinho, mas não aprendeu a pedir. Ela retruca malcriada ele rebate e... Pronto! Instalou-se o desagravo. Acusações e conclusões. ”Você não me ama!” ou “Você só pensa em você!”.
  De novo ninguém se perguntou, ou perguntou para o outro, apenas interpretou-se de acordo com seu aprendizado afetivo particular.
Repete-se o que se aprendeu. A posição da mulher e do homem diante das exigências da vida são aprendizados, reajustáveis, atualizáveis.
  Porque esta coisa de que homens não falam de seus problemas e sentimentos é cultural, foi um aprendizado e uma norma na educação masculina que tem se arrastado há anos até seus resquícios na atualidade. Preceitos do tipo: “homem não chora” e “tem que agüentar a dor sozinho.” ainda amarguram e impedem muitas trocas entre casais que teriam tudo para ser felizes.
Por outro lado a mulher pode ser educada também para ser frágil, pra reagir sempre com indignação chorosa e nunca conversar. Chantagear numa posição passiva de inclemência egoísta e assim jamais enfrentar os desafios da vida a dois. Ou pode ter aprendido, pela educação ou pela vida, a ser sempre forte, intolerante e inflexível, jamais baixar a guarda e jamais negociar. Ambas as posições e muitas outras que evitam a comunicação verdadeira são as mazelas que carregamos de nossas feridas basilares. E sem troca, sem buscar desvendar e escutar o outro o outro não existe. Será sempre nossa sombra, nossa projeção vazia sem vida.Estes jamais amarão.
Parafraseando o poeta Cazuza: “...ficam buscando alguém que caiba nos seus sonhos”.Sem conversa, sem buscar saber quem é o outro ali do lado .
Então o orgulho e o medo passam a se tornar elementos fundamentais nesta Babel construída com tijolos sofridos. Uma Torre que, se escalada, não nos leva mais pertinho do céu, nos vaticina a sermos tristes e solitários em toda e qualquer relação. 
Autoria Cinthya Bretas

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