Qual seria o
primeiro passo para o Amor. O primeiro passo que nos encaminha em direção dessa
ventura tão
almejada por todos.
Qual seria?
Não, não é procurar o ser amado, embora seja por aí que cada um
comece via de regra.
Começamos procurando
o ser amado e às vezes, já com um formulário preenchido onde se encontra
minuciosamente especificado todas as qualidades e detalhes daquilo que queremos
em nossas vidas amorosas.
Às vezes, na forma oposta, sem critério algum. Já tão grande o
desespero o ser se encontra que, qualquer um, ou quase qualquer um, caberá
nesse lugar, pra preencher nossas necessidades amorosas. Nenhuma exigência,
nenhum desejo além da fome de amor .
De ambas as
maneiras o que nos guia, ou limita é o medo. O medo da solidão .O medo de não
ser amado.
O primeiro busca fazer do ser amado um projeto especial de perfeição e
todos sabemos que no nível humano sempre será uma meta inatingível . As listas de exigências já antecedem o
encontro. E encontrado o sujeito que se adequa de maneira aproximada a
modelagem desejada ,vai-se tentando encaixar à força ao que consideramos
adequado. Poda-se aqui, esmaga-se ali , amplia-se acolá e a caricatura que
resta é a sombra do nosso desejo. E lastimavelmente o ser amado despojado de si
mesmo ,se muito apaixonado, fica rendido
nessa difícil missão de ser o que não é e dificilmente será . Depois de certo tempo tudo desmoronará,
porque a missão que o amador trouxe pra si foi a de um Pigmaleão*. E tudo
termina em sofrimento . Num final onde tudo
que se conclui, tudo que se percebe é de como é difícil amar.
Mas lógico que seria difícil, mais que difícil, impossível. Já que o que se busca é uma
extensão de si mesmo, de um si mesmo idealizado. E aí fica mais complicado, uma
vez que , ao exigirmos a perfeição deveríamos em contrapartida oferecê-la também.
E como a
perfeição está longe da nossa realidade, apenas ofertamos um amor intolerante,
exigente e árido. E supremamente
narcísico.
Esse passo torto nos afasta do amor. Se baseia no nosso medo de fazer
contato e ter intimidade. No nosso medo de se entregar no amor. Mas com um conforto de que sempre poderemos
justificar a nossa falha de amor no erro do outro .
Por outro lado podemos escolher o amor na posição oposta . É nosso o
erro , absolutamente nosso, totalmente nosso. Estamos do outro lado do espelho.
Onde vivenciamos o trabalho hercúleo de nos tornarmos o eu ideal para alguém. Sendo insistentemente achincalhados às vezes
abusivamente para o deleite sádico de alguém para quem nada o que fizermos
jamais será suficientemente bom.
Podemos dar o passo de escolher a esmo este par. Sem critério algum. Ou melhor, apoiados
no critério do nosso inconsciente acumulado de crenças de não merecimento. De um
Eu talvez até mesmo masoquista que escolherá de olhos bem abertos àquele que
nos causará dor e sofrimento do principio ao fim. E ainda poderemos escolher se
iremos notar tudo o que acontece, ou seja, vendo exatamente a natureza sombria
da pessoa com quem escolhemos juntar nossas vidas para o nosso pior, saboreando
secretamente as penas causadas pela mesma, ou simplesmente continuar amando um
deus fantasmático que só existe em nosso auto engano. Um ser que nos trai, que
mente, que nos desrespeita. Que faz pouco caso de nosso afeto, nos ignorando e
nos usando. E abusando.
Mas não importa o que o outro faça, não será suficiente, nunca os
limites serão trespassados. O auto-respeito nunca existirá. Porque temos esta
crença infantil de que tudo vai mudar. Magicamente. Talvez depois de casar.
Talvez o seu amor, a sua dedicação e paciência façam a mudança acontecer. E essa pessoa que escolhemos amar tem às vezes
um lado mais difícil de lidar que pode ser da adição. Algum vício ou compulsão
do qual você tentará resgatá-la. Talvez entre as pequenas falhas de caráter
exista a atração por atividades ilegais ou perigosas. E isso causa um eterno
tormento na insegurança que se adiciona à dor
de se ver numa relação onde não há conexão, não há troca ou cuidado, somente
desprezo e humilhação. Mas mesmo assim você insiste e aprisionando no cuidar
dessa pessoa, pretende salvá-la com certeza, enquanto sua vida se despedaça
gradualmente, e você morre à míngua de inanição amorosa , junto com seu amor
próprio que já devia estar bem reduzido no inicio da jornada. E o Amor em nome
do qual tanto sacrifício esta sendo feito? Onde fica? A quem pertence ao final?
A ninguém a nenhum dos implicados. Porque todos sofrem nestes pares . Porque
não há unidade no Amor enquanto não há unidade conosco mesmos.
Porque o primeiro passo para vivenciar o amor é amar . Ser capaz de
vivenciar o Amor em nossa alma, voltado a nós mesmos , não de maneira narcísica
mas , apenas nos respeitando amorosamente¸ namorando a nós mesmos, buscando nos
conhecer mais profundamente entendendo nossas necessidades e o porque destas
necessidades. Entendendo nossas motivações e suas origens. Curando nossos medos
, restaurando nosso olhar sobre o que é
o verdadeiro Amor.
E assim, nutrindo a nós mesmos, nutrindo nossas vidas de Amor, talvez possamos
também dividir esse Amor genuíno com todos que possam se acercar de nosso
caminho. Independente de um relacionamento íntimo. Só Amor, puro Amor.
*Pigmaleão - Segundo a mitologia grega Pigmaleão era um rei da
ilha de Chipre e uma de suas paixões era a escultura. Apesar do seu poder, o
rei frustrado buscava o amor ideal da mulher ideal. Insatisfeito e sozinho é
levado esculpir a estátua de uma mulher perfeita.