segunda-feira, 23 de junho de 2014 | By: Cinthya Bretas

Acumuladores Compulsivos ou Síndrome de Diógenes


Todos nós temos nossos segredos. Alguns partilháveis, outros, todavia bem ocultos. Impossíveis, impossíveis de comunicar, de se deixar ir.
Memórias, mágoas, saudades, medos. Raiva? Culpas? Arrependimentos? Vergonha??
Imagine como deve ser difícil carregar tudo isso em silêncio. Sem partilhar.
Os pensamentos e ruminações circulando dentro de você. A angústia diante da possibilidade de que isso se torne de alguma maneira público, em parte ou na totalidade. Imagine toda esta montoeira de emoções armazenadas internamente. Acumuladas como lixo, jamais descartadas..
Não consegue imaginar? Então, exercite um pouco mais sua capacidade de imaginar. E pense nisso materializado em objetos, novos ou velhos, acumulados. Em cada espaço livre dentro de uma casa. Quartos, sala, banheiro, escada, quintal. Todas as funções da casa são subvertidas em prioridade destes objetos . A cozinha não serve mais para cozinhar. O quarto não mais para dormir. Todos cheios de objetos, alguns comprados e talvez nunca usados, somente guardados. Outros quebrados e mesmo assim guardados. Ou peças, pedaços de eletrodomésticos, ou fios, restos de obra, ferramentas, roupas que nunca foram usadas. Itens que podem um dia ser usadas para artesanato ou projetos de "faça você mesmo"Quem sabe, às vezes até mesmo retirados do lixo. Sim, retirados do lixo. Aliás, retirados de um lugar que outras pessoas poderiam considerar lixo, mas que para o olhar distorcido desta, pode ser um tesouro. Valioso, único e absolutamente necessário mesmo que sejam apenas revistas, jornais, ferramentas e disjuntores, tampas de garrafa enferrujadas, caixas e embalagens, potes vazios etc. coisas que para a maioria das pessoas já estaria a milhas de sua casa num deposito de reciclagem à muito tempo.
 Preciosos porque dentro de sua lógica acumuladora estas coisas em algum momento poderão ser necessárias.
O que deve ser acumulado será variável de pessoa a pessoa .Alguns acumulam bens outros objetos específicos e ate mesmo virtuais como lixo eletrônico na sua caixa de email, por exemplo, como fotos ,arquivos e musicas no hd .
Restos de comida,embalagens de alimentos e animais domésticos (as pessoas podem, por vezes, recolher mais animais do que eles têm a capacidade de cuidar, sem consciência de que seus animais não recebem atenção adequada)

Coisas sobre as quais a mera ideia de descarte provoca uma angústia intensa. E que diante da imposição em jogar algo fora ocorra uma dúvida dilacerante. E de cujo desvendamento para pessoas de fora cause extrema vergonha e mal estar. Ameaças aos objetos colecionados provocam distúrbios físicos como náuseas, falta de ar e pânico, diante da possibilidade de se livrar dos itens antigos ou de não poder mais adquirir novos
Imaginou? Parece como um aprisionamento infeliz, já que o impasse sempre se mantém. Não é possível viver em meio a todas estas coisas sem que seu cotidiano e suas inter-relações, profissionais e afetivas  e sua saúde sejam de alguma maneira afetadas. Porém não é possível viver sem elas.
Este é o drama do indivíduo que apresenta a Síndrome de Acumulação Compulsiva ou Síndrome de Diógenes[1] como se apelidou este comprometimento emocional .
Pacientes acumuladores compulsivos apresentam duas características básicas:
1- a impossibilidade de jogar objetos fora  devido à ansiedade severa relacionada a rejeitar o que a maioria considera ser objetos comuns; 
2- aquisição excessiva, muitas vezes resultado de compras desordenadas e desordem excessiva ao ponto em que os espaços de vida e de trabalho não podem mais ser usado. 

Outras características de personalidade comuns são a resistência a falar do assunto e o posicionamento irredutível, uma marcante indecisão, a grande desorganização e a intermitente procrastinação. A evitação de desempenhar certas atividades é que provoca a procrastinação. Deixa-se tudo para depois sempre, porque tomar decisões é sempre arriscado e causador de angústia, inclusive a organização cuja mera percepção da necessidade gera grande desconforto.  O grande agravante são os traços paranoicos. A desconfiança do mundo à sua volta  propiciarão crescente isolamento ao longo do tempo o que os faz interpretar todos a volta como inimigos em maior ou menor grau e contra os quais é necessário manter um posicionamento firme. 
Às vezes, esses pacientes só são descobertos quando o  senhorio, assistente social ou um bombeiro entra nesta casa em que cada superfície disponível - pisos, mesas, sofás e camas - é coberta com a desordem e o lixo ,  tornando o ambiente um local de coabitação impossível  . Pois somente o acumulador consegue ficar ali com relativa tranquilidade. Embora sempre  irá existir o conflito entre o mal estar em ver aquilo tudo acumulado e a dificuldade em conseguir descartar.
A percepção destes objetos - para a maioria inúteis - como bens preciosos decorre das muitas simbolizações em longos encadeamentos que se estabelece neste lixo acumulado, assim como, todas as muitas emoções estagnadas e intocáveis que ali estão simbolizadas e impossíveis de serem descartadas.
 Toda esta tralha, todo este lixo, necessita ser mantido, de preferência de maneira secreta, pelo menos no inicio. Porém isso levaria a uma retirada absoluta do convívio social. O que para os mais jovens e que ainda trabalham seria impossível. Em algum momento será necessário receber pessoas em casa. Já para os aposentados a compulsão se torna cada vez mais arriscada para sua saúde inclusive, pois o acúmulo de objetos impede a movimentação e torna impossível a limpeza e pode incluir alimentos e animais que sem cuidados causam mais sujeira.
Deve-se tomar cuidado para não confundir o acumulador com o colecionador, embora este último em estado de compulsividade possa gerar para si mesmo também um grande caos. O colecionador sentirá prazer em mostrar suas aquisições aos amigos o que não acontece com o acumulador.
O acumulador associará ao seu comportamento uma serie de crenças e justificativas podendo ou não ter noção do seu real estado emocional, dependendo do grau de comprometimento psíquico que sua compulsão abarca.
Alguns percebem que está vivendo numa situação problemática e tem desejo de fazer algo a respeito. Outros, um pouco mais graves acreditam, sem muita convicção, de que a dificuldade para descartar objetos, a desordem o excesso consumista não são problemático e reagem mal a qualquer interferência.  Os casos mais perigosos são daqueles que são incapazes de perceber que vivem em meio à sujeira e o lixo e que estão perdendo muito mais do que ganham ao acumular. Estes abrirão mão de toda convivência social, de todos os afetos para preservar seus objetos intactos empilhados dentro de casa. A  saúde e o bem estar dos outros possíveis moradores que necessitarem conviver terá menor importância diante da compulsão de acumular.
Um estudo neurobiológico do Instituto de Neuropsiquiatria da UCLA[2] demonstrou que a despeito das antigas associações os acumuladores não são uma variação do TOC, mas que na verdade a área do cérebro afetada em seus sintomas diz respeito ás funções cognitivas de tomada de decisão, atenção concentrada, motivação e resolução de problemas, que estão frequentemente deterioradas nos  compulsivos.

Sabe-se, no entanto que a esta operacionalidade do cérebro decorre de uma disfuncionalidade cuja origem se encontra associada a um evento traumático.  Geralmente o sintoma de acumulação de objetos é agravado após uma situação de perda de contato com o mundo: morte de algum ente, demissão, aposentadoria, e outras situações que fazem com que o indivíduo passe a se proteger acumulando o que pode vir a faltar.
Em evoluções mais graves será necessária a intervenção judicial para que se chegue a uma intervenção medica obrigando que se tomem providencias quanto a higiene muitas vezes já afetando o bem estar da vizinhança e a saúde física dos moradores e do próprio paciente cuja auto negligência pode desencadear doenças infectocontagiosas em decorrência da falta e higiene em que vive. Trata-se de um tratamento que demanda muita diligencia mobilizando várias estratégias associadas. A Psicoterapia deve ser combinada com tratamento psicofarmacológico que ajudará a retirar o paciente da situação degradante com maior rapidez.






[1] Em 1975 esta Síndrome foi descrita e nomeada, uma certa injustiça ao filósofo grego Diógenes de Sínope, também chamado Diógenes "o Cínico" (kynikos, kynon = cachorro). Diógenes acreditava que a virtude não deveria ser uma teoria mas uma ação prática, resultado da própria vivência, assim optou por viver na miséria, habitando um grande barril como lar e carregando à luz do dia uma lanterna acesa em busca de um homem honesto; acreditava que faria bem ao ser humano aprender com o cão: "afinal o cão é capaz de realizar suas funções corporais naturais em público sem constrangimento, um cachorro comerá qualquer coisa, e não fará estardalhaço sobre que lugar dormir. Cachorros vivem o presente sem ansiedade, e não possuem as pretensões da filosofia abstrata. Somando-se ainda a estas virtudes, cachorros aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferente dos humanos que enganam e são enganados uns pelos outros, cães reagem com honestidade frente à verdade."
[2] O Instituto de Neuropsiquiatria da UCLA é um ensino interdisciplinar e pesquisa dedicado à compreensão do complexo instituto comportamento humano, inclusive genéticos bases comportamentais e socioculturais, biológicos do comportamento normal, e as causas e consequências dos distúrbios neuropsiquiátricos.

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